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quinta-feira, 3 de maio de 2012

Eu parei para pensar nisso aqui # 5

Sobre a estrutura que estamos colando:

1) Sequência Fred, Gunnar, Rafa e Nat: Movimento urbano em alta. Imagens possíveis: avenidas, ruas, cruzamentos, viadutos, vias, ciclovias, curvas, esquinas, saídas e entradas. mão dupla, sinal de trânsito. aeroporto, rodoviária, porto. partidas e chegadas. "olha antes do ônibus partir eu...". 

as relações são rápidas. escorregadias. pequenas imagens. fragmentos de um fim. ou todo fim é um recomeço (?).

o que posso fazer para que você não vá embora?
existe outra saída possível?
aonde foi que rompemos as nossas baias? eu nem percebi...
eu deveria ter percebido?
o abismo que nos separa.
é meu?
é seu?
"e de quem é a culpa? hein? quem tem culpa?"
vocês.

A) Fred e Gunnar: o início de tudo. a exposição dessa relação. o tanto esse menino olha? o tempo passar para ele. e pra gente, passa? é sempre a mesma imagem? e para você Gunnar, que o observa, o tempo passa? um segundo ou toda uma história? O que se conta com os olhos e também o que não é preciso contar?

B) Fred, Gunnar, Rafa e Nat: me parece que a dor não era só deles. daqueles dois já mencionados. entram para ampliar a trama, atravessá-la, confundí-la. são passagens, são momentos, são flashes de imagens e de possíveis momentos vividos. ou inventados, quem sabe? eu dentro de vc, vc dentro de mim. ou quando vc me segurou naquele momento exato em que eu queria cair...são muitas as prováveis.

precisamos mais de: precisão, atenção, velocidade calculada, errância projetada no espaço. rigidez para encontrar o lugar da liberdade. 

C) Rafa e Nat: de repente um ônibus. esboço para um a possível história. uma relação. relação direta com a plateia. confusão. quem é ele? quem é ela? reflexo daqueles dois apresentados anteriormente? ele e ela são todos os outros. e sendo todos, são todo mundo. "é muita gente, muita".

precisamos: que a Nat encontre mais clareza no texto da avenca. que busque exercitá-lo para não balbuciar e não perder velocidade. é um texto grande, mas que carrega uma informação única. se ele não vem potente, o momento em que ele se quebra e retornamos ao movimento fica vazio, oco.

D) O somatório desses dois fragmentos resultam neste último. Fred volta com o texto e, agora, percebemos que este casal também é dotado da fala. links e hiperlinks livres e soltos. de quem é o seu passado? seu com certeza. e de mais quem? pequenos questionamentos, rolamentos no chão. uma breve disputa, um breve ringue de combate estilizado? 

precisamos: talvez, de mais malícia e força para esses rolamentos. entender melhor o espaço e tempo de entrada do Gunnar e da Nat para que ela e o Rafa n fiquem, espacialmente, prejudicados. Vamos ter paciência e fazer isso todos juntos? é um exercício matemático de: atenção e repetição.

E) Namorados. Talvez, dentro de tudo, ainda haja um momento para respirar. PORÉM, essa respiração não é descansada. Pelo contrário, ela é atenta. Como uma dar uma nova chance, um reencontro depois de um tempo. sabe? acho que todo mundo sabe. risos. 

precisamos: ajustar os espaços e o tempos. encontrar a simultaneidade e brutalidade que os dois casais possam executar juntos. falar sobre o peso dos corpos e entender melhor, mais uma vez, o funcionamento da força nos movimentos. de onde ela vem, para onde ela é projetada, quem e ajuda e como? acho que precisamos falar sobre isso de novo.

2) Sequência do jardim. Imagens: jardins, grama lisa, toalha de pic-nic, céu azul. balão colorido no ar, o moço que vende algodão doce e a velha insuportável que continua, desde o filme esqueceram de mim noventa mil, a dar milho para os pombos. vento bom, brisa doce e nova. som de dente. cachorro, gato, passarinho. harmonia. mas nem tanto. tem pipa, tem patins, bicicleta, patinete, até charrete tem. tem música no violão, o cara da poesia e o moço da gaita. tem gente velha e gente nova. tem de um tudo. E TEM O CORPO, imerso nesta totalidade quase que incapturável..e aqui estamos nós. nessa totalidade.

A) movimento de todos. sequência tá tudo bem + espasmos

precisamos: repassar a sequência para que ela possa estar bem clara e fresca no corpo de todos. é, realmente, necessário que todos compreendam a tênue passagem de qualidade entre as poses e os espasmos. poses: corpo confortável, leve, relaxado e quentinho. espasmos: corpo duro, bruto, pesado, tensionado e gelado. precisamos encontrar este contraponto no movimento. o corpo no espasmo quer sair do chão, curva-se para uma última tentativa que, no nosso caso, são três. o fato dos espasmos n serem coreografados não implica que vcs joguem uns com os outros. o seu espasmos não é um reflexo ou resposta a tentativa do outro. neste momento, só existe um objetivo: realizar três tentativas frustradas de tirar o corpo do chão. é mais rápido. mais latente. dolorido. pesado e bruto. marcar os queixos na finalização da movimentação é fundamental. breve imagem: mercado de cabeças. pessoas em liquidação.

B) Momento só das meninas em cena. Chiliquinhos. Sequência dos pés que trazem as mãos.

precisamos: abrir a escuta para perceber o movimento da pessoas que vem antes. descobrir o tempo de duração de cada levada de movimento. igualar a intensidade dos pés e das mãos. Lila, acho que vc é a pessoa que pode se encarregar disso. Meninas, vamos pegar com o a Lila o tempo e a qualidade deste movimento, ok? Ok.

C) Saída das meninas. Lila em cena. Texto.

precisamos: descoordenar o texto do corpo. cada um traz uma informação em separado. aqui quem liga é o espectador. o corpo é pose e o texto é espasmo, seguindo a mesma lógica de sugestões qualitativas dadas as palavras anteriormente. 

D) Aceno para rolamento. 

precisamos: compreender que "acenar" para quem está no chão é um gesto de gentileza. como quem diz: estou de volta, posso recuperar o lugar senhor? ainda é meu este canto, bela senhora? há algo de cordial neste corpo que se apresenta em pé para deitar-se por livre vontade. esse comentário serve também para a entrada das meninas no início desta sequência de número dois.

3) Nos acenos, bel retorna e sobra.

paro por aqui, pois acredito que precisamos compreender melhor essa colagem. ter a certeza da dramaturgia que ela apresenta.

é isso meus amores.

quando chegarem aqui, releiam este escrito.

beijocas.









quarta-feira, 7 de março de 2012

Eu parei para pensar nisso aqui.

A ideia de usar a "dancinha" do Rafa como prólogo do espetáculo me atravessou hoje no percurso de casa para o ensaio. Experimentar a ideia foi bastante interessante... Eu diria fascinante. Escrevo para tentar compreender melhor o que ela inaugura e também para dividir com vocês os meus pensamentos. A "dancinha" enquanto abertura se manifesta como algo que eu poderia classificar como nível zero. Ou seja, ela abre espaço para que qualquer tipo de informação ou material sejam apresentados depois.  Ela é o drama neutro que abre as portas para novos e interligados dramas sujos. Ela namora, critica, brinca com o corpo e com o espaço na suavidade de um deboche que é físico. Ela esboça, com crueldade e um ótimo uso do corpo e do tempo, as qualidades: duração, repetição, esforço, precisão e refinamento. Ela, ao mesmo tempo que recebe, também distancia o espectador da obra, faz com que ele se interrogue sobre o que virá depois. Faz com que ele se pergunte, assim como eu venho me perguntando: sobre o que e sobre quem este espetáculo fala? Então, leio a "dancinha" como um lugar poético para a fuga cotidiana, para o desbravamento do corpo em seu limite e suor, para a fuga das relações cansadas e da estranheza que é ser um ser casal; como uma espécie de espelho social, uma viagem do micro ao macro, o caminho das pedras a ser percorrido por todos os corpos que, logo em seguida, serão apresentados. Leio como quem lê um romance longo, faz uma viagem para Lisboa ou toma um bom café da manhã. Como quando preparamos o espectador para despertar, para acordar o corpo, abrir os olhos e atentar a escuta para os mínimos detalhes. Os olhos que se movem, a boca que esboça palavras ou números, as mãos que dedilham, os cotovelos que brincam  no ar de ir e voltar. Gosto da "dancinha" em razão de sua pureza urbana e nada bucólica. Por ora penso em treino de dança, bailarinos em movimento que tentam atingir a perfeição na execução de um gesto banal. Como é difícil presentar o cotidiano, a ação básica de mover-se no dia a dia. Depois penso no corpo-máquina, no homem-bomba, no cansaço dos operários na repetição diária do trabalho mal pago. Aí penso nas relações de poder, na flexibilização delas, nas lacunas que deixam abertas e que precisamos ocupar. Penso ainda nas verdadeiras empresas que são os relacionamentos afetivos, na manutenção do bem-amado, do bem-querer. É bom o bem-casado? Você trouxe o que eu te pedi - ele pergunta e ela dança. Rio alto. Na verdade, tenho medo de rir. Tem graça ver alguém cansado? Me questiono. Questiono a obra e seu lugar. Depois dela, da "dancinha" alguém entra e, de costas, canta uma música. Essa música então ressignifica tudo. Ou melhor, ela tenta. Tenta por ordem no recinto, trazer sentido e razão para todo aquele alvoroço contido que, inicialmente, foi apresentado. A música embala o Rafa que, inconscientemente, micro-muda a qualidade de seus movimentos. Agora eu não sei mais quem dança... É ele quem comanda a música ou por ela é comandado? Quem ali, no auge daquela dor, canta para quem? Quem teria coragem de denunciar: FOCO, SUPORTE. Não sei. Este não-saber me alegra, prossigo vivo, questionando o espaço, tudo e todos. Todos entram. Aí, acabou chorare, mas não ficou tudo lindo. É pior, é grave. São mais pessoas, mais gente, mais povo, mais corpos e mais cabeças. Tudo Dói, Caetano batizou uma canção com este nome e, em seguida, lhe deu de presente para a Gal.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Para Bel.


Bel, compadecemos dessa dor. Acho de uma beleza única este material. Vamos pensar sobre ele? Partiturar? Experimentar partes em jogo? Desenvolver? Que bela citação, que bela consideração sobre aquilo que se move sem rédea e em direção ao nada. Vamos a luta!

Joaquim:

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés.  Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

As falas do personagem Joaquim foram extraídas da poesia "Os Três Mal-Amados", constante do livro "João Cabral de Melo Neto - Obras Completas",Editora Nova Aguilar S.A. - Rio de Janeiro, 1994, pág.59