terça-feira, 13 de novembro de 2012

O espectador emancipado


“O espectador também age, tal como o aluno ou o intelecutual. Ele observa, seleciona, compara e interpreta. Relaciona o que vê com muitas outras coisas que viu em outras cenas, em outros tipos de lugares. Compõe seu próprio poema com os elementos do poema que tem diante de si. Participa da performance refazendo-a à sua maneira, furtando-se, por exemplo, à energia vital que esta supostamente deve transmitir para transformá-la em pura imagem e associar essa pura imagem a uma história que leu ou sonhou, viveu ou inventou. Assim, são ao mesmo tempo espectadores distantes e intérpretes ativos do espetáculo que lhes é proposto.” (Rancière, 2012, p.17).

“Na lógica da emancipação há sempre entre o mestre ignorante e o aprendiz emancipado uma terceira coisa - um livro ou qualquer outro escrito - estranha a ambos e à qual eles podem recorrer para comprovar juntos o que o aluno viu, o que disse e o que pensa a respeito. O mesmo ocorre com a performance. Ela não é a transmissão do saber ou do sopro do artista ao espectador. É essa terceira coisa de que nenhum deles é proprietário, cujo sentido nenhum deles possui, que se mantém entre eles, afastando qualquer transmissão fiel, qualquer identidade entre causa e efeito.” (Rancière, 2012, p.19).

“Mas num teatro, diante duma performance, assim como num museu, numa escola ou numa rua, sempre há indivíduos a traçarem seu próprio caminho na floresta das coisas, dos atos e dos signos que estão diante deles ou os cercam. O poder comum ao espectadores não decorre de sua qualidade de membros de um corpo coletivo ou de alguma forma específica de interatividade. É o poder que cada um tem de traduzir à sua maneira o que percebe, de relacionar isso com a aventura intelectual singular que o torna semelhante a qualquer outro, à medida que essa aventura não se assemelha a nenhuma outra.” (Rancière, 2012, p.20).



“Os artistas, assim como os pesquisadores, constroem a cena em que a manifestação e o efeito de suas competências são expostos, tornados incertos nos termos do idioma novo que traduz uma nova aventura intelectual. O efeito do idioma não pode ser antecipado. Ele exige espectadores que desempenhem o papel de intérpretes ativos, que elaborem sua própria tradução para apropriar-se da “história” e fazer dela sua própria história. Uma comunidade emancipada é uma comunidade de narradores e tradutores.” (Rancière, 2012, p.25).

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Doce Trote


, primeiro porque, ainda durante a fila para entrar no teatro, algo no ar - na vibração das moléculas por entre as nossas baias - sugeria uma qualidade de acontecimento notável no mundo teatral do Rio de Janeiro na noite de ontem.
Nada mais me permite escrever breves comentários sobre Cavalos e Baias do que o ímpeto de, enquanto espectador, responder à obra – além da falta de medo de cair no vão entre as letras do papel.
Estive diante do “desmundo”. Seres humanos sendo levados a ferir a métrica do espaço, a colidir com o vácuo da matéria. Cavalos e Baias interdita o hesito, carrega o peso da outra face das relações interpessoais sob a perspectiva do bruto humano, do animal consciente de não o ser, carne sem pele à deriva num pedaço de chão de terra batida; ao sol. É a peça da madureza da Miúda, onde os corpos estão no eixo oposto de seus cercos, onde o território é apenas palavra falada e a metafísica é vista e comprovada através da verdade com que nossos olhos nos fazem acreditar no que lhes é posto. É assento sem peso, descarrilhado olhando fixo e fechando em copas a longuidão do trote.
Desde a descoberta, o amadurecimento artístico de Caio Riscado -de seus primeiros trabalhos na Miúda pra cá -, a expansão da expressão corporal de Rafael Lorga - brilhando de dentro pra fora -, o excesso de mulher em Cacá Otoni, a brilhante languidez da interpretação de Fred Araújo (e, é claro, falo dessa vez por ânimo pessoal, pela particularidade afetiva com alguns deles): tudo acontece na saliência da ânima de toda obra, por todo o processo, diante de todo o resto do mundo ao redor. Os olhos femininos marcados “à la fome”, os parangolés de Oiticica dançando nas roupas, na cenografia, no corpo, a dança dos atores, no teatro, aplaudindo a dança enquanto arte mais do que os que dançam e só. Cavalos e Baias (um nome que dá gosto de repetir) está pra lá da conta de qualquer coisa nomeada contemporâneo. É perene, atemporal.


- as doces palavras do estudante de cinema João Arthur Soares 

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

sequência real e discreta

As fotografias de cavalos em movimento feitas por Muybridge em 1878 foram as primeiras a captar o que parecia ser a sequência real e discreta de movimento, Muybridge concebeu uma maneira de representar a velocidade de um cavalo correndo por meio da ação de várias máquinas fotográficas (12, neste caso), enfileiradas e preparadas para disparar em sequência quando o cavalo passasse correndo.

trecho retirado do livro Novas Mídias na Arte Contemporânea.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Cavalos e Baias


Há duas formas de se domar um cavalo. A primeira, e mais comum, leva semanas, e consiste em surrar o animal para que ele aprenda quem manda. A segunda, que pouca gente conhece, leva, no máximo, meia hora, e se dá pela conquista do animal pelo seu domador. Como numa dança delicada entre amantes, homem e cavalo se olham devagar, aos poucos, medindo de alto a baixo o que cada um tem a oferecer, até que, finalmente, a mão do homem desliza suavemente sobre a testa de seu animal. Disso sabem poucos, mas, mesmo sem conhecer essa delicada técnica de sedução, bailam cotidianamente em busca da mão que vai mudar sua vida.

É essa dança de frenética busca que marca a plasticidade do espetáculo Cavalos e baias, com silêncios perturbadores e ruídos delirantes. A atenção se divide entre os corpos esguios que enchem o palco e as palavras que, como se nada fossem, seduzem o espectador no fundo de cena. O cotidiano, com seu tecido feito de aprisionamentos e libertações tão sucessivos quanto paradoxais, vai-se desconstruindo à medida que os movimentos de cena quebram as barreiras das baias que querem, à força, e todos os dias, nos conter.

Alegoria primorosa da passividade do homem ante o cercado que o cerceia, Cavalos e baias revela a possibilidade de quebrar o alambrado, pular a cerca, relinchar, respirar, viver. Dessa coloração febril que compõe a liberdade faz-se o espetáculo, e aprendemos, mais uma vez, que a arte pode sempre ser nossa via de libertação.


- Cláudia Capello é Doutora em Literatura Comparada, professora da UERJ e coordenadora pedagógica do FGV online.

sábado, 21 de julho de 2012

Pulsa

Eu gosto quando o corpo do outro me assalta. Fui violado e os cortes já se acostumaram, aos poucos eles se sobrepõem e desistem do medo. Desta vez, fui apunhalado de olhos bem abertos e cavalguei um mundo todo, meu corpo inteiro – era um punhal-convite e eu o aceitei. Não fomos a lugar algum, não entendia a razão de uma viagem sem destino. Depois compreendi que o trajeto era em outro sentido e em outra esfera, algo como deslocar-se de olhos fechados sem perder a atenção ao caminho. Por isso o mundo e o meu corpo seguiam tão próximos: ao percorrer um, adentrava o outro, até eles se misturarem. Cavalguei por entranhas, foi o que me ofereceram. Eram vísceras comuns a nós e aos nós que nos prendem em baias o que aqueles corpos exaltavam. “Nós nos compadecemos”, eu pensei naquele instante sem saber se estava de fato sentado, imóvel, ou em  algum movimento. Sabia que de algum modo reagia àquelas contrações, as musculares e as afetivas, das preenchidas às mais vazias, as mesmas daqueles atores-cavalos-dançarinos, corpos urgentes  ceifando a inércia. A pele e o coração do outro comunicavam tanto que cheguei a pensar em avançar para tocar, confirmar de que matéria eram feitas aquelas projeções. Mas eu não precisava potencializar ainda mais uma violência que já evidenciava o nosso desgaste. “Até que ponto essa luz ilumina?”, escapou de mim enquanto observava o espaço sobre o qual incidia uma luz meio clara, meio obscura, “talvez seja esse mesmo o tom da cavalgada, talvez seja preciso confiar no passo sobre lamaçal e sombra”.  Questões insólitas me alcançavam, e meu peito então repetia a canção do início, “o abismo em uma fissura...o claro não se vê”, e depois também lembrava de outros versos,   “você me disse algo que não entendo, mas lembro, lembro, lembro”, repetia tudo na mesma voz, voz de timbre tão paradoxal quanto todo o espetáculo, voz deliciosa e doce, voz ascética, voz pungente. Eu não precisava responder a nada, e se houvesse o que reclamasse algum sentido, justo que fosse o homem meditando sobre a própria estrada.


- Rodrigo Carrijo, ator e escritor, sobre o nosso espetáculo.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Sobre posições

Uma peça de teatro sobre cavalos. Sobre cavalos ou sob cavalos. Cavalos postos no palco: equinos dos mais variados tipos fisícos e mentais em franca exposição. Sem leilão, sem valores, sem troféus. Machos, fêmeas, morenos, louros, gordos, magros, selvagens e domesticados. Cavalos que se encontram, se abraçam, se enfrentam, se violentam. Entre passos, trotes e galopes, tem cavalo que vai às compras e fala francês. Bichos que, na baia do teatro, explodem em saltos e rodopios como se estivessem expostos numa arena de rodeio ou numa mesa de jantar. Flashs pipocam sobre seus olhos matando o sossego natural. Eles são o centro das atenções. Mas eles quem? Pobres animais enlouquecidos pelo fluxo furioso de imagens e sons – cavalos da era digital. É sobre posições. Sobreposições. É sobre os cavalos do palco e da plateia. Sobre o último obstáculo que divide esse espaço. E eles saltam.


- Alonso Zerbinato é ator e escritor.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Algumas verdades sobre cavalos e baias



I

A luz apagou e os cavalos surgiram do escuro. Sem surpresa, convidando a correr o páreo, mesmo com essas minhas pernas longas e soltas que não foram feitas para a distância. Cavalos debaixo d’água. No espaço, na neve, cavalos que bebem estrelas para ganhar velocidade, montados no vento, cavalos de metal. Havia um cavalo no espelho e eu nunca soube.



II



Então a gente galopava pela cidade em busca da fungada quente, da crina macia, das pernas finas que se dobram e do peso que deita uns olhos bem abertos sobre tudo. Se você não fecha os olhos a noite não chega.



III



E eu vi os ídolos da minha juventude todos acorrentados. E a gente se debatendo e gritando porque não tem mais pra onde ir, porque as paredes e porque o tempo, porque a baia, subindo subindo e tampando toda a luz da janelinha. Porque o frio que entra depois. Porque a fome. Porque a falta que não passa nunca.



IV



Os pés reclamam mas dançam, porque quem fica sozinho no foco de luz, vestindo um vermelho forte e triste, é sempre quem morre primeiro. Morre de tanto desistir e ir embora. Quem dança de olhos fechados com o par errado pelo menos fica até o fim da música, mesmo que banhado em lágrimas, mesmo querendo e fugindo pra dentro cada vez mais longe, fora da pista, fora do palco, em outro lugar onde um dia houve felicidade, aquela única felicidade que durou tempo nenhum e foi pouco demais. Injusto demais.



V



Depois você se arrasta num deserto de cabelos, buscando os pedaços perdidos na areia. Que não tem mais como juntar. A toda hora de novo a queda, o vulto que surge por trás e empurra no abismo, a traição. Quando o cavalo quebra a perna e desiste de correr, e o corpo só quer apanhar. Qualquer chicote se torna abraço, e fio de sangue nas costas é a única força que liberta da memória. O cavalo quebrado ajoelha, esquece a identidade e pede mais.



Cada golpe estalado é um raio de luz, um, dois, três, vinte, quinta-feira com febre, maio com chuva, agosto com chuva, dois mil e acaba logo essa dor, o campo molhado e a lama dentro de casa.



VI



Às vezes quando eu corro demais o meu nariz sangra, mas o cavalo dentro de mim, ele corre pra sempre.


- Por Fernanda Cosenza, uma visão-poema a partir de sua experiência enquanto espectadora ativa do espetáculo Cavalos e Baias.

segunda-feira, 18 de junho de 2012


Poderíamos definir dramaturgia atoral  como um território de pesquisa e criação no qual a capacidade orgânica do ator deve se submeter à organização de um modelo situacional pré-estabelecido, em que entre seus limites seja Possível encontrar novos âmbitos de liberdade criativa. “Dançar com correntes”, sim, como disse Nietzsche, para transformar o obstáculo em estímulo. O destino do ser humano na realidade social não é muito diferente. Alimentamos a ilusãotranscorrer linearmente, arrastados pelo tempo em direção a um futuro imprevisível e incerto, entrelaçando circunstâncias mais ou menos flexíveis, com um princípio e um final, todas elas regidas por um princípio de causalidades. Mas, na realidade, existimos inscritos em sistemas auto-consistentes, repetindo situações e padrões de conduta que não percebemos como iguais ou análogos. A repetição se disfarça de diferença e o movimento cíclico se oculta atrás da aparente continuidade. Através dos exercícios da dramaturgia atoral, o intérprete explora esta dialética entre o determinismo e a aleatoriedade, entre a necessidade e o acaso, entre os sistemas que nos sustentam e limitam, e a liberdade que podemos e devemos conquistar, descobrir, inventar. Deste processo investigativo e criativo poderá surgir, quem sabe, uma estética teatral, uma poética dramática e cênica e (por que não?) uma ética que nos conduza a mostrar o sensível como inteligível, a substância turbulenta e enigmática da existência humana como algo que reclama, uma e outra vez, poder ser traduzida em formas comunicáveis e em experiências compartilhadas.
José Sanches Sinisterra
do catálogo da peça Corte Seco, dirigida por Christiane Jatahy

domingo, 10 de junho de 2012

The Rabbit and the Skin Horse


"What is REAL?" asked the Rabbit one day, when they were lying side by side near the nursery fender, before Nana came to tidy the room. "Does it mean having things that buzz inside you and a stick-out handle?"

"Real isn't how you are made," said the Skin Horse. "It's a thing that happens to you. When a child loves you for a long, long time, not just to play with, but REALLY loves you, then you become Real."

"Does it hurt?" asked the Rabbit.

"Sometimes," said the Skin Horse, for he was always truthful. "When you are Real you don't mind being hurt."

"Does it happen all at once, like being wound up," he asked, "or bit by bit?"

"It doesn't happen all at once," said the Skin Horse. "You become. It takes a long time. That's why it doesn't happen often to people who break easily, or have sharp edges, or who have to be carefully kept. Generally, by the time you are Real, most of your hair has been loved off, and your eyes drop out and you get loose in the joints and very shabby. But these things don't matter at all, because once you are Real you can't be ugly, except to people who don't understand."

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E o Coelho de pelucia perguntava: O que é ser real? É ser feito de engrenagens e coisas que vibram e apitam?

'Real não é do que você é feito' disse o Cavalinho 'É uma coisa que simplesmente acontece. Quando uma criança te ama por muito, muito tempo, não apenas para brincar com você, mas realmente te ama, então você se torna real'

'E dói?' perguntou o Coelho

'As vezes' respondeu o Cavalinho, pois ele era sempre sincero. 'Quando você é Real, você não se importa com a dor'

'Acontece de uma vez ou é aos poucos?'

'Não acontece de uma vez. Você vai se tornando. Demora muito tempo. É por isso que dificilmente acontece com aqueles que quebram facilmente, ou que tem pontas afiadas, ou que precisam de cuidados especiais. Geralmente, quando você se torna Real, seu cabelo já caiu, seus olhos não enxergam, suas juntas já não funcionam mais e você está todo gasto. Mas essas coisas não importam, porque uma vez que você é Real, você não pode ser feio, a não ser para as pessoas que não entendem"


Tradução livre por mim.

Quem quiser ler um ótimo texto (acho que é um livro todo) infantil sobre brinquedos e o que é ser real: http://digital.library.upenn.edu/women/williams/rabbit/rabbit.html  THE VELVETEEN RABBIT

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Helmut Newton


Já que estamos falando de pulga...


o piolho


o piolho numa folha de papel é um ponto (ponto).
na cabeça é uma serra-elétrica.

a esteira é ergométrica e o piolho anda quando eu ando.
sinto falta dos piolhos da infância e corto o cabelo curto.

estou sempre em curto. Curto isso.
estes seres abjetos (objetos abjetos) têm que viver (interrogação)?

talvez seja um deles ou venha a ser já que não faço nada.
como uma empada e arroto Coca. Deus é um piolho na toca.


(Rodrigo de Souza Leão)

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Para refletir com Grotowski:

"Porque criatividade é antes de tudo descobrir o que não se conhece.  É este o motivo-chave por que são necessárias as companhias. Elas dão a possibilidade de renovar as descobertas artísticas" (p.227)

"Os ensaios não são apenas a preparação para a estreia do espetáculo, são para o ator um terreno em que descobrir a si mesmo, as suas capacidades, as possibilidades de ultrapassar os seus próprios limites" (p.229)

"O ator deve antes procurar libertar-se da dependência com relação ao espectador, se não quiser perder a sua própria criatividade" (p.234)


Da Companhia Teatral a Arte como Veículo - texto de Jerzy Grotowski em: FLASZEN, Ludwik e POLLASTRELLI, Carla (org.). O Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski 1959-19699. São Paulo: Fondazione Pontedera Teatro/Edições SESCSP/Perspectiva, 2007 [1989/1990]

Pedido de Casamento

http://www.cortissa.com.br/2012/05/o-pedido-de-casamento-mais-original-de.html

domingo, 27 de maio de 2012

Justo uma imagem | Denise Stutz e Felipe Ribeiro



"...Um gesto que se quer só um gesto, um movimento, um corpo. Uma cor, varias cores que querem uma imagem, uma cidade."

- Um café, por favor.


Ele pagou a conta com o cartão de débito.
A moça sorriu, ele disse obrigado.
Fomos embora.
Uma cena normal, nada cinematográfica.
Volta.

Ele pagou a conta com o cartão de débito.
A moça olhou para o lado enquanto ele digitava a senha.
A moça sorriu ele disse obrigado.
Fomos embora.
Uma cena normal, nada cinematográfica?
Esta olhadinha para o lado na hora em que você coloca a senha do cartão é sublime!
É um marco do nosso tempo.
Um movimento dos dias de hoje.
É um gesto tão importante quanto, sei lá, quanto alguma coisa que o homem das cavernas fazia.
Todo mundo tem a sua maneira particular de olhar para o lado para não ver a senha.
É um gesto muito pessoal e muito solitário.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

"Devir não é atingir uma forma (identificação, imitação, Mimésis), mas é encontrar a zona de vizinhança, de indiscernibilidade ou de indiferenciação, de maneira que já não nos podemos distinguir de uma mulher, de um animal ou de uma molécula: e que não são nem imprecisos nem gerais, mas imprevistos, não-preexistentes, tanto menos determinados numa forma quanto mais singularizados numa população’’.


DELEUZE, Gilles. A Literatura e a Vida.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

terça-feira, 22 de maio de 2012

Para refletir sobre # 2: para todos:


“Trata-se de tomar todos os códigos da cultura, todas as formas concretas da vida cotidiana, todas as obras do patrimônio mundial, e colocá-los em funcionamento. Aprender a usar as formas, como nos convidam os artistas que serão aqui abordados, é, em primeiro lugar, saber tomar posse delas e habitá-las” (p.14)

“Essa cultura do uso implica uma profunda transformação no estatuto da obra de arte. Ultrapassando seu papel tradicional como receptáculo da visão do artista, agora ela funciona como um agente ativo, uma distribuição, um enredo resumido, uma grade que dispõe de autonomia e materialidade em diversos graus, como uma forma que pode variar da simples ideia até a escultura ou o quadro” (p.17)

“De fato, a apropriação é a primeira fase da pós-produção: não se trata mais de fabricar um objeto, mas de escolher entre os objetos existentes e utilizar ou modificar o item escolhido segundo uma intenção específica” (p.22)

“... a arte, ao tentar romper a lógica do espetáculo, restitui-nos o mundo como experiência a ser vivida” (p.32)

“Assim a arte contemporânea apresenta-se como uma mesa de montagem alternativa que perturba, reorganiza ou insere as formas sociais em enredos originais. O artista desprograma para reprogramar, sugerindo que existem outros usos possíveis das técnicas e ferramentas à nossa disposição” (p.84)




BOURRIAUD, Nicolas. Pós-produção - Como a Arte Reprograma o Mundo Contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes: 2009.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Ansen Seale

texto que gostaria de dizer.

' Eu te encontro um dia por acaso e o que chama a atenção é que você é bem-humorado. Eu, que quando mais novo descobri a melancolia em mim e vi nisso um infinito de possibilidades de existência. Eu, que descobri a minha identidade na melancolia, que aos poucos fui transformando esta melancolia em retrato já pronto. Eu que vi uma beleza única em ser um menino introspectivo nas ruas da cidade que faz frio. Eu que acabei transformando esssa coisa preciosa que é ser de verdade para si mesmo, eu que transformei isto em verdade acabada, em cartão postal de mim mesmo, eu te encontrei um dia. Não. Não, não, não, não, não é isso que eu quero dizer. O que eu quero dizer.. é a especificidade do teu falo, a nivel de, de modo que, falo enquanto pau na minha boca. É. É, é, é, é isto mesmo que eu quero dizer, meus caros senhores: a nossa relação era como tomar coca-cola quando eu era criança. Eu enchia um copo, mexia a colher lá dentro até tirar todo o gás. Então eu dava um gole e dizia: 'é bom!'. Depois eu dava outro gole e dizia: 'é ruim!'. Eu te encontrei a pouco tempo e pensei: ele é o grande amor da minha vida. Eu te encontrei a pouco tempo e pensei: que pessoa desnecessária. Eu te encontrei ontem. Você tá muito bonito. Uma bichinha muito bonita ! Nossa relação era como cheirar pó. Eu nunca fui de cheirar pó mas eu sei que bate uma mega deprê no dia seguinte. Aí você quer mais prá ver se passa. Aí você quer mais. Aí você quer mais. Quando vê se passaram dez anos. Qual teu nome mesmo ? Você ficou tão mais gostoso depois que a gente se separou, sabia ? Você ficou mais maduro. Você ficou mais independente. Você ficou mais pescoço grosso de cabeça raspada. Me lembro que, eu não sei se você se lembra, mas eu me lembro que eu quebrei o ventiladorzinho na parede. Eu esmurrei ele na parede muitas muitas vezes até conseguir quebrar duas pás. De noite, nós tomamos um banho gelado e deitamos molhados na cama. Era verão. Tava muito quente. '

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Para refletir sobre: para todos:

“O sujeito radicante apresenta-se, assim,como uma construção, uma montagem: e, em outras palavras, uma obra, nascida de uma negociação infinita” (p.54)

“Isso pode signifcar também o traçado de uma errância calculada...” (p.55)

“A errância, na função de princípio formal de composição, remete a uma concepção do espaço-tempo que se inscreve contra a linearidade e, ao mesmo tempo, contra a planeza” (p.101)


“Para designar a nova figura do artista, forjei o termo semionauta: o criador de percursos dentro de uma paisagem de signos. Habitantes de um mundo fragmentado, no qual os objetos e as formas saem do leito de sua cultura orginal e vão se disseminar no espaço global, eles ou elas erram em busca de conexões a ser estabelecidas. Indígenas de um território sem limites a priori, encontram-se na posição do caçador coletor de outrora, do nômade que produz seu universo percorrendo incansavelmente o espaço” (p.102)

“...a obra de arte não é mais um objeto “terminal”, e sim um mero instante em uma cadeia, o ponto de acolchoamento que amarra, com maior ou menos firmeza, os diferentes episódios de uma trajetória.” (p.106)

“A forma-trajeto defini-se primeiramente pelo excesso de informações, que obriga o espectador a entrar em certa dinâmica e construir um percurso pessoal” (p.117)

“A forma-trajeto, mesmo que expresse uma trajetória, põe em crise a linearidade ao injetar tempo no espaço e espaço no tempo” (p.122)

“Lógica das conexões: nessas obras, cada elemento utilizado vale por sua capacidade de modificar a forma do outro” (p.138)


Bourriaud, Nicolas. Radicante, por uma estética da globalização. São Paulo: Martins Fontes, 2011.


Não é "contemporâneo", é Mário de Andrade ("Prefácio Interessantíssimo" - A Paulicéia Desvairada)


"Está fundado o Desvairismo.
Este prefácio, apesar de interessante, inútel.
Alguns dados. Nem todos. Sem conclusões. Para quem me aceita são inúteis ambos. Os curiosos terão o prazer em descobrir minhas conclusões, confrontando obra e dados. Para que me rejeita trabalho perdido explicar o que, antes de ler, já não aceitou.
Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem pensar tudo que meu inconsciente me grita. Penso depois: não só para corrigir, como para justificar o que escrevi. Daí a razão deste Prefácio Interessantíssimo.
Aliás muito difícil nesta prosa saber onde termina a blague, onde principia a seriedade. Nem eu sei. E desculpem-me por estar tão atrasado dos movimentos artísticos atuais. Sou passadista, confesso. Ninguém pode se libertar duma só vez das teorias-avós que bebeu; e o autor deste livro seria hipócrita si pretendesse representar orientação moderna que ainda não compreende bem.
Não sou futurista (de Marinetti). Disse e repito-o. Tenho pontos de contacto com o futurismo. Oswald de Andrade, chamando-me de futurista, errou. A culpa é minha. Sabia da existência do artigo e deixei que saísse. Tal foi o escândalo, que desejei a morte do mundo. Era vaidoso. Quis sair da obscuridade. Hoje tenho orgulho. Não me pesaria reentrar na obscuridade. Pensei que se discutiram minhas idéias (que nem são minhas): discutiram minhas intenções. Já agora não me calo. Tanto ridicularizaram meu silêncio como esta grita. Andarei a vida de braços no ar, como indiferente de Watteau.
"Alguns leitores ao lerem estas frases (poesia citada) não compreenderam logo. Creio mesmo que é impossível compreender inteiramente à primeira leitura pensamentos assim esquematizados sem uma certa prática. Nem é nisso que um poeta pode queixar-se dos seus leitores. No que estes se tornam condenáveis é em não pensar que um autor que assina não escreve asnidades pelo simples prazer de experimentar tinta; e que, sob essa extravagância aparente havia um sentido porventura interessantíssimo, que havia qualquer coisa por compreender." João Epstein. Há neste mundo um senhor chamado Zdislas Milner. Entretanto escreveu isto: "O fato duma obra se afastar de preceitos e regras aprendidas, não dá a medida do seu valor". Perdoe-me dar algum valor a meu livro. Não há pai que, sendo pai, abandone seu filho corcunda que se afoga, para salvar o lindo herdeiro do vizinho. A ama-de-leite do conto foi uma grandíssima cabotina desnaturada.

Todo escritor acredita na valia do que escreve. Si mostra é por vaidade. Si não mostra é por vaidade também.

Não fujo do ridículo. Tenho companheiros ilustres.

O ridículo é muitas vezes subjetivo. Independe do maior ou menor alvo de quem o sofre. Criamo-lo para vestir com ele quem fere nosso orgulho, ignorância, esterilidade.
 
Um pouco de teoria? 
Acredito que o lirismo, nascido no subconsciente, acrisolado num pensamento claro ou confuso, cria frases que são versos inteiros, sem prejuízo de medir tantas sílabas, com acentuação determinada. 
A inspiração é fugaz, violenta. Qualquer impecilho a perturba e mesmo emudece. Arte, que, somada a Lirismo, dá Poesia, não consiste em prejudicar a doida carreira do estado lírico para avisa-lo das pedras e cercas de arame do caminho. Deixe que tropece, caia e se fira. Arte é mondar mais tarde o poema de repetições fastientas, de sentimentalidades românticas, de pormenores inúteis ou inexpressivos. 
  
Que Arte não seja porém limpar versos de exageros coloridos. Exagero: símbolo sempre novo da vida como sonho. Por ele vida e sonho se irmanaram. E, consciente, não é defeito, mas meio legítimo de expressão. Minhas reivindicações? Liberdade. Uso dela; não abuso. Sei embricá-la nas minhas verdades filosóficas e religiosas, não convencionais como a Arte, são verdades. Tanto não abuso! Não pretendo obrigar ninguém a seguir-me. Costumo andar sozinho. 
Não se esqueça porém que outro virá destruir tudo isto que construí. Pronomes? Escrevo brasileiro. Si uso ortografia portuguesa é porque, não alterando o resultado, dá-me uma ortografia. 
Escrever arte moderna não significa jamais para mim representar a vida atual no que tem de exterior: automóveis, cinema, asfalto. Si estas palavras freqüentam-me o livro não é porque penso com elas escrever moderno, mas porque sendo meu livro moderno, elas têm nele sua razão de ser. 
  
Mas todo este prefácio, com todo a disparate das teorias que contém, não vale coisíssima nenhuma. Quando escrevi "Paulicéia Desvairada" não pensei em nada disto. Garanto porém que chorei, que cantei, que ri, que berrei... Eu vivo! 
  
Aliás versos não se escrevem para leitura de olhos mudos. Versos cantam-se, urram-se, choram-se Quem não souber cantar não leia Paisagem nº 1. Quem não souber urrar não leia Ode ao Burguês. Quem não souber rezar, não leia Religião. Desprezar: A Escalada. Sofre: Colloque Sentimental. Perdoar: a cantiga do berço, um dos solos de Minha Loucura, das Enfibraturas do Ipiranga. Não continuo. Repugna-me dar a chave de meu livro. Quem for como eu tem essa chave. 
E está acabada a escola poética "Desvairismo". 
Próximo livro fundarei outra. 
E não quero discípulos. Em arte: escola=imbecilidade de muitos para vaidade dum só. 
Poderia ter citado Gorch Fock. Evitava o Prefácio Interessantíssimo. "Toda canção de liberdade vem do cárcere"."


Olhar sobre a cidade

a minha imagem não foi apresentada, então, descrevo:

um homem está em cima de um tijolo.
um pedaço de arame farpado está amarrado em dois paus formando uma micro cerca neste homem.
ele tem um coração desses de camelô que pisca pendurado no peito.

No meio da sala de ensaio tem um globo de luz de festa, toca uma música triste.
O homem controla um carrinho de controle remoto.
O carrinho bate na parede e volta, bate e volta, bate e volta, bate e volta, bate e volta.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Cavalos Gunnar e Bel
Ambos puro-sangue inglês e divorciados.

'Faubourg Saint'; um dos curtas de 'Paris, Je t'aime'





"Escuta.

Às vezes a vida exige uma mudança.

Uma transição.

Como as estações.

Nossa primavera foi maravilhosa, mas o verão terminou e deixamos passar o nosso outono.

E agora, de repente, faz frio, tanto frio que tudo se congela.

Nosso amor dormiu e a neve o tomou de surpresa.

E se dormes na neve não sentes vir a morte.

Cuide-se

Adeus!"


"...Deixou Boston e se mudou para Paris. Um pequeno apartamento numa rua de Saint-Denis. Te mostrei meu bairro, meus bares, minha escola. Te apresentei aos meus amigos. Aos meus pais. Te escutei enquanto ensaiava. Tuas canções, tuas esperanças, teus desejos. Tua música. E você escutou a minha. Meu italiano, meu alemão, meu russo. Te emprestei meu walkman e você uma almofada. E um dia, me beijou. O tempo passou. O tempo voou. E tudo parecia tão fácil, tão simples. Livre. Tão novo e único. Fomos ao cinema. Fomos dançar. Fazer compras. Nós rimos. Você chorou. Nadamos, fumamos. Nos rasuramos. De vez em quando, você gritava. Sem razão. Às vezes com razão. Sim, às vezes com razão. Te acompanhei ao conservatório. Estudei para minhas provas. Escutei tuas canções, tuas esperanças, teus desejos. Escutei tua música. E você escutou a minha. Estávamos unidos. Tão unidos, cada vez mais unidos. Fomos ao cinema. Fomos nadar. Nós rimos juntos. Você gritava. Às vezes com razão. Às vezes sem razão. O tempo passou. O tempo voou. Te acompanhei ao conservatório. Estudei para minhas provas. Me escutaste falar em italiano, alemão, russo e francês. Estudei para minhas provas. Você gritava. Às vezes com razão. O tempo passou, sem razão. Você gritava. Sem razão. Estudei para minhas provas. Provas, provas... O tempo passou. Você gritava. Gritava, gritava... Eu fui ao cinema"