sábado, 21 de julho de 2012

Pulsa

Eu gosto quando o corpo do outro me assalta. Fui violado e os cortes já se acostumaram, aos poucos eles se sobrepõem e desistem do medo. Desta vez, fui apunhalado de olhos bem abertos e cavalguei um mundo todo, meu corpo inteiro – era um punhal-convite e eu o aceitei. Não fomos a lugar algum, não entendia a razão de uma viagem sem destino. Depois compreendi que o trajeto era em outro sentido e em outra esfera, algo como deslocar-se de olhos fechados sem perder a atenção ao caminho. Por isso o mundo e o meu corpo seguiam tão próximos: ao percorrer um, adentrava o outro, até eles se misturarem. Cavalguei por entranhas, foi o que me ofereceram. Eram vísceras comuns a nós e aos nós que nos prendem em baias o que aqueles corpos exaltavam. “Nós nos compadecemos”, eu pensei naquele instante sem saber se estava de fato sentado, imóvel, ou em  algum movimento. Sabia que de algum modo reagia àquelas contrações, as musculares e as afetivas, das preenchidas às mais vazias, as mesmas daqueles atores-cavalos-dançarinos, corpos urgentes  ceifando a inércia. A pele e o coração do outro comunicavam tanto que cheguei a pensar em avançar para tocar, confirmar de que matéria eram feitas aquelas projeções. Mas eu não precisava potencializar ainda mais uma violência que já evidenciava o nosso desgaste. “Até que ponto essa luz ilumina?”, escapou de mim enquanto observava o espaço sobre o qual incidia uma luz meio clara, meio obscura, “talvez seja esse mesmo o tom da cavalgada, talvez seja preciso confiar no passo sobre lamaçal e sombra”.  Questões insólitas me alcançavam, e meu peito então repetia a canção do início, “o abismo em uma fissura...o claro não se vê”, e depois também lembrava de outros versos,   “você me disse algo que não entendo, mas lembro, lembro, lembro”, repetia tudo na mesma voz, voz de timbre tão paradoxal quanto todo o espetáculo, voz deliciosa e doce, voz ascética, voz pungente. Eu não precisava responder a nada, e se houvesse o que reclamasse algum sentido, justo que fosse o homem meditando sobre a própria estrada.


- Rodrigo Carrijo, ator e escritor, sobre o nosso espetáculo.

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