quinta-feira, 19 de julho de 2012

Algumas verdades sobre cavalos e baias



I

A luz apagou e os cavalos surgiram do escuro. Sem surpresa, convidando a correr o páreo, mesmo com essas minhas pernas longas e soltas que não foram feitas para a distância. Cavalos debaixo d’água. No espaço, na neve, cavalos que bebem estrelas para ganhar velocidade, montados no vento, cavalos de metal. Havia um cavalo no espelho e eu nunca soube.



II



Então a gente galopava pela cidade em busca da fungada quente, da crina macia, das pernas finas que se dobram e do peso que deita uns olhos bem abertos sobre tudo. Se você não fecha os olhos a noite não chega.



III



E eu vi os ídolos da minha juventude todos acorrentados. E a gente se debatendo e gritando porque não tem mais pra onde ir, porque as paredes e porque o tempo, porque a baia, subindo subindo e tampando toda a luz da janelinha. Porque o frio que entra depois. Porque a fome. Porque a falta que não passa nunca.



IV



Os pés reclamam mas dançam, porque quem fica sozinho no foco de luz, vestindo um vermelho forte e triste, é sempre quem morre primeiro. Morre de tanto desistir e ir embora. Quem dança de olhos fechados com o par errado pelo menos fica até o fim da música, mesmo que banhado em lágrimas, mesmo querendo e fugindo pra dentro cada vez mais longe, fora da pista, fora do palco, em outro lugar onde um dia houve felicidade, aquela única felicidade que durou tempo nenhum e foi pouco demais. Injusto demais.



V



Depois você se arrasta num deserto de cabelos, buscando os pedaços perdidos na areia. Que não tem mais como juntar. A toda hora de novo a queda, o vulto que surge por trás e empurra no abismo, a traição. Quando o cavalo quebra a perna e desiste de correr, e o corpo só quer apanhar. Qualquer chicote se torna abraço, e fio de sangue nas costas é a única força que liberta da memória. O cavalo quebrado ajoelha, esquece a identidade e pede mais.



Cada golpe estalado é um raio de luz, um, dois, três, vinte, quinta-feira com febre, maio com chuva, agosto com chuva, dois mil e acaba logo essa dor, o campo molhado e a lama dentro de casa.



VI



Às vezes quando eu corro demais o meu nariz sangra, mas o cavalo dentro de mim, ele corre pra sempre.


- Por Fernanda Cosenza, uma visão-poema a partir de sua experiência enquanto espectadora ativa do espetáculo Cavalos e Baias.

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