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terça-feira, 13 de novembro de 2012

O espectador emancipado


“O espectador também age, tal como o aluno ou o intelecutual. Ele observa, seleciona, compara e interpreta. Relaciona o que vê com muitas outras coisas que viu em outras cenas, em outros tipos de lugares. Compõe seu próprio poema com os elementos do poema que tem diante de si. Participa da performance refazendo-a à sua maneira, furtando-se, por exemplo, à energia vital que esta supostamente deve transmitir para transformá-la em pura imagem e associar essa pura imagem a uma história que leu ou sonhou, viveu ou inventou. Assim, são ao mesmo tempo espectadores distantes e intérpretes ativos do espetáculo que lhes é proposto.” (Rancière, 2012, p.17).

“Na lógica da emancipação há sempre entre o mestre ignorante e o aprendiz emancipado uma terceira coisa - um livro ou qualquer outro escrito - estranha a ambos e à qual eles podem recorrer para comprovar juntos o que o aluno viu, o que disse e o que pensa a respeito. O mesmo ocorre com a performance. Ela não é a transmissão do saber ou do sopro do artista ao espectador. É essa terceira coisa de que nenhum deles é proprietário, cujo sentido nenhum deles possui, que se mantém entre eles, afastando qualquer transmissão fiel, qualquer identidade entre causa e efeito.” (Rancière, 2012, p.19).

“Mas num teatro, diante duma performance, assim como num museu, numa escola ou numa rua, sempre há indivíduos a traçarem seu próprio caminho na floresta das coisas, dos atos e dos signos que estão diante deles ou os cercam. O poder comum ao espectadores não decorre de sua qualidade de membros de um corpo coletivo ou de alguma forma específica de interatividade. É o poder que cada um tem de traduzir à sua maneira o que percebe, de relacionar isso com a aventura intelectual singular que o torna semelhante a qualquer outro, à medida que essa aventura não se assemelha a nenhuma outra.” (Rancière, 2012, p.20).



“Os artistas, assim como os pesquisadores, constroem a cena em que a manifestação e o efeito de suas competências são expostos, tornados incertos nos termos do idioma novo que traduz uma nova aventura intelectual. O efeito do idioma não pode ser antecipado. Ele exige espectadores que desempenhem o papel de intérpretes ativos, que elaborem sua própria tradução para apropriar-se da “história” e fazer dela sua própria história. Uma comunidade emancipada é uma comunidade de narradores e tradutores.” (Rancière, 2012, p.25).

segunda-feira, 18 de junho de 2012


Poderíamos definir dramaturgia atoral  como um território de pesquisa e criação no qual a capacidade orgânica do ator deve se submeter à organização de um modelo situacional pré-estabelecido, em que entre seus limites seja Possível encontrar novos âmbitos de liberdade criativa. “Dançar com correntes”, sim, como disse Nietzsche, para transformar o obstáculo em estímulo. O destino do ser humano na realidade social não é muito diferente. Alimentamos a ilusãotranscorrer linearmente, arrastados pelo tempo em direção a um futuro imprevisível e incerto, entrelaçando circunstâncias mais ou menos flexíveis, com um princípio e um final, todas elas regidas por um princípio de causalidades. Mas, na realidade, existimos inscritos em sistemas auto-consistentes, repetindo situações e padrões de conduta que não percebemos como iguais ou análogos. A repetição se disfarça de diferença e o movimento cíclico se oculta atrás da aparente continuidade. Através dos exercícios da dramaturgia atoral, o intérprete explora esta dialética entre o determinismo e a aleatoriedade, entre a necessidade e o acaso, entre os sistemas que nos sustentam e limitam, e a liberdade que podemos e devemos conquistar, descobrir, inventar. Deste processo investigativo e criativo poderá surgir, quem sabe, uma estética teatral, uma poética dramática e cênica e (por que não?) uma ética que nos conduza a mostrar o sensível como inteligível, a substância turbulenta e enigmática da existência humana como algo que reclama, uma e outra vez, poder ser traduzida em formas comunicáveis e em experiências compartilhadas.
José Sanches Sinisterra
do catálogo da peça Corte Seco, dirigida por Christiane Jatahy

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Para refletir com Grotowski:

"Porque criatividade é antes de tudo descobrir o que não se conhece.  É este o motivo-chave por que são necessárias as companhias. Elas dão a possibilidade de renovar as descobertas artísticas" (p.227)

"Os ensaios não são apenas a preparação para a estreia do espetáculo, são para o ator um terreno em que descobrir a si mesmo, as suas capacidades, as possibilidades de ultrapassar os seus próprios limites" (p.229)

"O ator deve antes procurar libertar-se da dependência com relação ao espectador, se não quiser perder a sua própria criatividade" (p.234)


Da Companhia Teatral a Arte como Veículo - texto de Jerzy Grotowski em: FLASZEN, Ludwik e POLLASTRELLI, Carla (org.). O Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski 1959-19699. São Paulo: Fondazione Pontedera Teatro/Edições SESCSP/Perspectiva, 2007 [1989/1990]

terça-feira, 8 de maio de 2012

Björk - Oceania



o reflexo da luz na aplicação de pedras no rosto dela.
as inserções de movimentos de luz.
o clarão de algumas imagens.
este branco rico em reflexo e glória.

os pequenos seres vivos.
as purpurinas.
ou aquilo que eu chamei de purpurina.

Vontade de dividir o email da Ro com vocês!


oi, Caio

Adorei você me ligar pra dividir a experiência.

Fiquei pensando sobre o que você disse no ensaio, algo como "a gente ficou careta". Então queria dizer que a coisa do texto não tem nada a ver com caretice ou com contemporaneidade. É que a gente não muda tudo de repente. No novo que a gente faz, sempre tem uma persistência do que já foi. Por isso é super normal que, ao mesmo tempo em que você investe em um campo novo, lida com os demais da mesma forma que fazia antes. É claro. Talvez agora esteja chegando o momento de conseguir vir e entender o que é isso que está sendo criado, que criatura é essa. Eu só posso perceber isso porque não estou lá todo o dia, tenho distanciamento, aí vejo o fragmento da obra como peça autonônoma, sem tanta memória de processo, sem apego. Talvez dê para, daqui a pouco, você conseguir ver o que a criatura nova está pedindo como verbo, sonoridade e sentido. É que você ainda está se mergulhado nos atores. Aderbal dizia isso sobre o trabalho do diretor - que há um tempo de se colar aos atores para criar e depois um tempo de se sentar na platéia como um espectador ideal, apreciar, entender e mexer. E aí talvez você consiga ver que os textos que fora dali parecem bons, quando ditos ali dentro se tornam outra coisa, porque são parte da criação e não tem mais autonomia. Mas, como dizem os americanos, tome seu tempo. É mais importante perceber a questão, cavoucar o problema, do que solucionar.

beijo!

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Eu parei para pensar nisso aqui # 5

Sobre a estrutura que estamos colando:

1) Sequência Fred, Gunnar, Rafa e Nat: Movimento urbano em alta. Imagens possíveis: avenidas, ruas, cruzamentos, viadutos, vias, ciclovias, curvas, esquinas, saídas e entradas. mão dupla, sinal de trânsito. aeroporto, rodoviária, porto. partidas e chegadas. "olha antes do ônibus partir eu...". 

as relações são rápidas. escorregadias. pequenas imagens. fragmentos de um fim. ou todo fim é um recomeço (?).

o que posso fazer para que você não vá embora?
existe outra saída possível?
aonde foi que rompemos as nossas baias? eu nem percebi...
eu deveria ter percebido?
o abismo que nos separa.
é meu?
é seu?
"e de quem é a culpa? hein? quem tem culpa?"
vocês.

A) Fred e Gunnar: o início de tudo. a exposição dessa relação. o tanto esse menino olha? o tempo passar para ele. e pra gente, passa? é sempre a mesma imagem? e para você Gunnar, que o observa, o tempo passa? um segundo ou toda uma história? O que se conta com os olhos e também o que não é preciso contar?

B) Fred, Gunnar, Rafa e Nat: me parece que a dor não era só deles. daqueles dois já mencionados. entram para ampliar a trama, atravessá-la, confundí-la. são passagens, são momentos, são flashes de imagens e de possíveis momentos vividos. ou inventados, quem sabe? eu dentro de vc, vc dentro de mim. ou quando vc me segurou naquele momento exato em que eu queria cair...são muitas as prováveis.

precisamos mais de: precisão, atenção, velocidade calculada, errância projetada no espaço. rigidez para encontrar o lugar da liberdade. 

C) Rafa e Nat: de repente um ônibus. esboço para um a possível história. uma relação. relação direta com a plateia. confusão. quem é ele? quem é ela? reflexo daqueles dois apresentados anteriormente? ele e ela são todos os outros. e sendo todos, são todo mundo. "é muita gente, muita".

precisamos: que a Nat encontre mais clareza no texto da avenca. que busque exercitá-lo para não balbuciar e não perder velocidade. é um texto grande, mas que carrega uma informação única. se ele não vem potente, o momento em que ele se quebra e retornamos ao movimento fica vazio, oco.

D) O somatório desses dois fragmentos resultam neste último. Fred volta com o texto e, agora, percebemos que este casal também é dotado da fala. links e hiperlinks livres e soltos. de quem é o seu passado? seu com certeza. e de mais quem? pequenos questionamentos, rolamentos no chão. uma breve disputa, um breve ringue de combate estilizado? 

precisamos: talvez, de mais malícia e força para esses rolamentos. entender melhor o espaço e tempo de entrada do Gunnar e da Nat para que ela e o Rafa n fiquem, espacialmente, prejudicados. Vamos ter paciência e fazer isso todos juntos? é um exercício matemático de: atenção e repetição.

E) Namorados. Talvez, dentro de tudo, ainda haja um momento para respirar. PORÉM, essa respiração não é descansada. Pelo contrário, ela é atenta. Como uma dar uma nova chance, um reencontro depois de um tempo. sabe? acho que todo mundo sabe. risos. 

precisamos: ajustar os espaços e o tempos. encontrar a simultaneidade e brutalidade que os dois casais possam executar juntos. falar sobre o peso dos corpos e entender melhor, mais uma vez, o funcionamento da força nos movimentos. de onde ela vem, para onde ela é projetada, quem e ajuda e como? acho que precisamos falar sobre isso de novo.

2) Sequência do jardim. Imagens: jardins, grama lisa, toalha de pic-nic, céu azul. balão colorido no ar, o moço que vende algodão doce e a velha insuportável que continua, desde o filme esqueceram de mim noventa mil, a dar milho para os pombos. vento bom, brisa doce e nova. som de dente. cachorro, gato, passarinho. harmonia. mas nem tanto. tem pipa, tem patins, bicicleta, patinete, até charrete tem. tem música no violão, o cara da poesia e o moço da gaita. tem gente velha e gente nova. tem de um tudo. E TEM O CORPO, imerso nesta totalidade quase que incapturável..e aqui estamos nós. nessa totalidade.

A) movimento de todos. sequência tá tudo bem + espasmos

precisamos: repassar a sequência para que ela possa estar bem clara e fresca no corpo de todos. é, realmente, necessário que todos compreendam a tênue passagem de qualidade entre as poses e os espasmos. poses: corpo confortável, leve, relaxado e quentinho. espasmos: corpo duro, bruto, pesado, tensionado e gelado. precisamos encontrar este contraponto no movimento. o corpo no espasmo quer sair do chão, curva-se para uma última tentativa que, no nosso caso, são três. o fato dos espasmos n serem coreografados não implica que vcs joguem uns com os outros. o seu espasmos não é um reflexo ou resposta a tentativa do outro. neste momento, só existe um objetivo: realizar três tentativas frustradas de tirar o corpo do chão. é mais rápido. mais latente. dolorido. pesado e bruto. marcar os queixos na finalização da movimentação é fundamental. breve imagem: mercado de cabeças. pessoas em liquidação.

B) Momento só das meninas em cena. Chiliquinhos. Sequência dos pés que trazem as mãos.

precisamos: abrir a escuta para perceber o movimento da pessoas que vem antes. descobrir o tempo de duração de cada levada de movimento. igualar a intensidade dos pés e das mãos. Lila, acho que vc é a pessoa que pode se encarregar disso. Meninas, vamos pegar com o a Lila o tempo e a qualidade deste movimento, ok? Ok.

C) Saída das meninas. Lila em cena. Texto.

precisamos: descoordenar o texto do corpo. cada um traz uma informação em separado. aqui quem liga é o espectador. o corpo é pose e o texto é espasmo, seguindo a mesma lógica de sugestões qualitativas dadas as palavras anteriormente. 

D) Aceno para rolamento. 

precisamos: compreender que "acenar" para quem está no chão é um gesto de gentileza. como quem diz: estou de volta, posso recuperar o lugar senhor? ainda é meu este canto, bela senhora? há algo de cordial neste corpo que se apresenta em pé para deitar-se por livre vontade. esse comentário serve também para a entrada das meninas no início desta sequência de número dois.

3) Nos acenos, bel retorna e sobra.

paro por aqui, pois acredito que precisamos compreender melhor essa colagem. ter a certeza da dramaturgia que ela apresenta.

é isso meus amores.

quando chegarem aqui, releiam este escrito.

beijocas.









terça-feira, 10 de abril de 2012

e você não percebeu.

- sabe o que eu tava pensando?
- o quê?
- o relógio da cozinha. ele parou.
- por quê? tá sem pilha?
- não. tá parado há dois anos.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Eu parei para pensar nisso aqui #3


O palco esta nu. Frio. Um homem entra e se posiciona na baixa da direita. Ele inicia uma série de micro-movimentos. Mãos, braços, ombros, cabeça e quadril estão engajados em comunicar alguma coisa. O que ele quer dizer. Ou melhor, o que ele tenta dizer? A sua boca balbucia palavras inaudíveis. O movimento é gradativo. O homem dança e os meus olhos dançam com ele. Direita, esquerda, direita esquerda. Tudo é circular - é o que parece que ele quer me dizer. De repente, começa a se mover com mais velocidade e o seu corpo transpira. Me perco no corpo molhado deste homem e só o abandono quando, da alta direita do palco, uma mulher surge caminhando. Ela caminha tranquila e se dirige ao centro da alta do palco. De costas para mim ela já não se move mais. O homem continua a dançar, cada vez mais rápido, e a minha atenção se divide entre o corpo dele e a mulher. Ela começa a cantar. A voz é forte e a música é triste. Quero não entender. Mas é impossível. Imediatamente busco um sentido. Concluo: é um paradoxo. Me satisfaço. A relação entre os dois, aos poucos, se transforma em um só quadro para os meus olhos. Não existem mais detalhes. Me acalmo. De supetão, o homem desenraíza os seus pés do chão e em um brusco, porém leve movimento muda o seu corpo de direção. Já não me encara mais. Alívio. Ele traça uma linha reta da direita para a esquerda baixa, cruza com outro homem e pára. Nesse pequeno deslocamento mais outras duas mulheres já entraram no palco. Infelizmente não pude acompanhar suas entradas e só as noto agora. Até o momento são três mulheres e dois homens. Duas delas estão de costas. A outra está de frente. Um dos homens olha para a esquerda. O outro olha para frente. Todos estão parados menos o primeiro homem que continua a dançar. E suar. Ele traça, novamente, uma linha reta da esquerda baixa para a esquerda alta do palco. Durante mais este deslocamento, surgem mais uma, duas pessoas. Um homem que surge e desaparece, mais ou menos umas três vezes, e mais uma mulher que entra e fica parada, olhando para a esquerda. O último homem, finalmente, decide ficar. Na rebarba de sua última entrada ainda uma última mulher adentra o palco. No total são, agora, oito pessoas. Cinco mulheres e três homens. Duas estão de costas, uma olha para frente, a outra para a esquerda e a última para a direita. Dos homens, dois olham para a esquerda e o primeiro homem, o que dá origem a esta narrativa, continua a dançar. Seriam todos eles um só corpo? O homem que dança, dança por todos? Porque diabos ele se movimenta e de onde vem toda essa angústia? Angústia?


Só agora noto que uma placa, ABERTO, pendurada em uma vara do urdimento da caixa preta, mais ou menos na média do palco, está acesa. Quer dizer, ela foi acesa, mas também não pude acompanhar e, por isso, não posso dar certeza do momento em que mais essa pequena mudança ocorreu. O homem, o primeiro, o que dança, traça agora uma linha reta da esquerda alta para a direita alta do palco. Ele passa pelas outras pessoas como quem passa por árvores ou postes ou instituições. Na direita alta do palco, aos poucos, o homem vai parando de dançar. No seu corpo, vestígios de toda a sua movimentação ainda podem ser vistos. Direita, esquerda, esquerda, direita. Tudo é circular. A mulher, a primeira, a da canção tristonha, em algum momento também parou de cantar. O primeiro homem, que já não dança mais, observa quieto as pessoas. Começa a falar. Diz algo a respeito de um velho para o homem que cruzou com ele e que olha para a esquerda. Para uma das mulheres que está de costas ele fala sobre letras e medo. Facas e rodelas é são as palavras que sobram do que ele diz para a mulher que está de frente. Para o outro homem, aquele que surgiu e desapareceu antes de ficar de vez, ele diz alguma coisa sobre um refrigerante e um olho preto. Para a mulher que olha para a direita, conta de um cara que, outro dia, lhe tinha feito uma pergunta. Perguntou se aqui tinha chovido ontem - ele diz. Já para a que olha para a esquerda o assunto perpassa o envelhecimento de nossas línguas. Ele diz algo sobre ordem e mudança. Para a outra mulher que está de costas, a primeira a entrar e a mesma que cantava a triste canção ele diz: você me disse algo que eu não entendi, mas me lembro. 


É preciso dizer que durante a fala do primeiro homem todas as outras pessoas executam micro-movimentos. Todos eles diferentes. Parece também que tentam dizer alguma coisa, contribuir com alguma informação mesmo que desnecessária. São tentativas. Penso. Penso, onde estão todas essas pessoas? Que tipo de lugar é este sombrio e sem direção? Se olham para espacialidades diferentes, o que olham? Será que necessito dessa informação? É uma rede, arrisco, mais uma vez, buscando sentido para o que vejo. A placa de aberto... Estariam todos em café? Em um restaurante? Em uma tabacaria? Que tipo de estabelecimento é este? Será mesmo que eu preciso de uma ficção? Um café, por favor - diz a mulher que olha para a esquerda. Não. Me disseram que era aqui que eu precisava vir - diz a mulher que olha para a frente. Não. É  claro que eu compro uma revista para você - diz o último homem. Não. São realmente mais sete esquinas até a beira do mar? - pergunta a segunda mulher que parou de costas. Não. Eu trouxe a xerox dos meus documentos e me disseram que eu poderia ficar - anuncia o primeiro homem que parou, olhando para a direita. Não. A mulher que olha para esquerda direta: sexo é masculino ou feminino? Não. Eu fico feliz que você tenha conseguir vir...trouxe o que eu te pedi? - indaga a primeira mulher de costas. Não.

"Ficou olhando o quadro de Edward Hopper ali na sua frente, Night life e descobriu pasmada que nunca esse quadro teve tanta significação como nessa noite. O limpo e banal café de esquina de uma rua vazia de Nova York, o café quase vazio (só três pessoas no balcão) com o empregado de uniforme branco-azulado lavando coisas debaixo da torneira, xícaras? A longa fila dos banquinhos vazios contornando o balcão, tudo visto do lado de fora, através da comprida vitrine de vidro. O silêncio sem moscas. O vidro sem poeira.E esse quadro estranhíssimo de um café noturno em alguma esquina de algum beco em Nova York. Havia vermelho, mas nesse café até a cor vermelha era fria. A solidão medíocre." ( Lygia Fagundes Telles - As Horas Nuas)

Todos no mesmo lugar. Juntos, parecem não ter para onde ir. Que imagem buscar? De que cor pintar? Gesto, fala, tudo em um novo movimento? Como prosseguir sem, tão precocemente, ou não, desmanchar o quadro, a estrutura que, penso, é bonita. Para onde ir ou o que virá depois?

são tentativas.
prossigo.