segunda-feira, 18 de junho de 2012


Poderíamos definir dramaturgia atoral  como um território de pesquisa e criação no qual a capacidade orgânica do ator deve se submeter à organização de um modelo situacional pré-estabelecido, em que entre seus limites seja Possível encontrar novos âmbitos de liberdade criativa. “Dançar com correntes”, sim, como disse Nietzsche, para transformar o obstáculo em estímulo. O destino do ser humano na realidade social não é muito diferente. Alimentamos a ilusãotranscorrer linearmente, arrastados pelo tempo em direção a um futuro imprevisível e incerto, entrelaçando circunstâncias mais ou menos flexíveis, com um princípio e um final, todas elas regidas por um princípio de causalidades. Mas, na realidade, existimos inscritos em sistemas auto-consistentes, repetindo situações e padrões de conduta que não percebemos como iguais ou análogos. A repetição se disfarça de diferença e o movimento cíclico se oculta atrás da aparente continuidade. Através dos exercícios da dramaturgia atoral, o intérprete explora esta dialética entre o determinismo e a aleatoriedade, entre a necessidade e o acaso, entre os sistemas que nos sustentam e limitam, e a liberdade que podemos e devemos conquistar, descobrir, inventar. Deste processo investigativo e criativo poderá surgir, quem sabe, uma estética teatral, uma poética dramática e cênica e (por que não?) uma ética que nos conduza a mostrar o sensível como inteligível, a substância turbulenta e enigmática da existência humana como algo que reclama, uma e outra vez, poder ser traduzida em formas comunicáveis e em experiências compartilhadas.
José Sanches Sinisterra
do catálogo da peça Corte Seco, dirigida por Christiane Jatahy

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