"Está
fundado o Desvairismo.
Este
prefácio, apesar de interessante, inútel.
Alguns
dados. Nem todos. Sem conclusões. Para quem me aceita são inúteis ambos. Os
curiosos terão o prazer em descobrir minhas conclusões, confrontando obra e
dados. Para que me rejeita trabalho perdido explicar o que, antes de ler, já
não aceitou.
Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem pensar tudo que meu inconsciente me grita.
Penso depois: não só para corrigir, como para justificar o que escrevi.
Daí a razão deste Prefácio Interessantíssimo.
Aliás muito difícil nesta prosa
saber onde termina a blague, onde principia a seriedade. Nem eu sei. E
desculpem-me por estar tão atrasado dos movimentos artísticos atuais. Sou
passadista, confesso. Ninguém pode se libertar duma só vez das teorias-avós que
bebeu; e o autor deste livro seria hipócrita si pretendesse representar
orientação moderna que ainda não compreende bem.
Não sou futurista (de
Marinetti). Disse e repito-o. Tenho pontos de contacto com o futurismo. Oswald
de Andrade, chamando-me de futurista, errou. A culpa é minha. Sabia da
existência do artigo e deixei que saísse. Tal foi o escândalo, que desejei a
morte do mundo. Era vaidoso. Quis sair da obscuridade. Hoje tenho orgulho. Não
me pesaria reentrar na obscuridade. Pensei que se discutiram minhas idéias (que nem são minhas): discutiram
minhas intenções. Já agora não me calo. Tanto ridicularizaram meu
silêncio como esta grita. Andarei a vida de braços no ar, como indiferente de
Watteau.
"Alguns
leitores ao lerem estas frases (poesia citada) não compreenderam logo. Creio
mesmo que é impossível compreender inteiramente à primeira leitura pensamentos
assim esquematizados sem uma certa prática. Nem é nisso que um poeta pode
queixar-se dos seus leitores. No que estes se tornam condenáveis é em não
pensar que um autor que assina não escreve asnidades pelo simples prazer de
experimentar tinta; e que, sob essa extravagância aparente havia um sentido
porventura interessantíssimo, que havia qualquer coisa por compreender."
João Epstein. Há neste mundo um senhor chamado Zdislas Milner.
Entretanto escreveu isto: "O fato duma obra se afastar de preceitos e
regras aprendidas, não dá a medida do seu valor". Perdoe-me dar algum
valor a meu livro. Não há pai que, sendo pai, abandone seu filho corcunda que
se afoga, para salvar o lindo herdeiro do vizinho. A ama-de-leite do conto foi
uma grandíssima cabotina desnaturada.
Todo escritor acredita na valia do que escreve. Si mostra
é por vaidade. Si não mostra é por vaidade também.
Não fujo do
ridículo. Tenho companheiros ilustres.
O ridículo é muitas vezes subjetivo.
Independe do maior ou menor alvo de quem o sofre. Criamo-lo para vestir com ele
quem fere nosso orgulho, ignorância, esterilidade.
Um pouco de teoria?
Acredito que o lirismo,
nascido no subconsciente, acrisolado num pensamento claro ou confuso, cria
frases que são versos inteiros, sem prejuízo de medir tantas sílabas, com
acentuação determinada.
A inspiração é fugaz, violenta. Qualquer impecilho a
perturba e mesmo emudece. Arte, que, somada a Lirismo, dá Poesia, não
consiste em prejudicar a doida carreira do estado lírico para avisa-lo das
pedras e cercas de arame do caminho. Deixe que tropece, caia e se fira. Arte é
mondar mais tarde o poema de repetições fastientas, de sentimentalidades
românticas, de pormenores inúteis ou inexpressivos.
Que Arte não seja
porém limpar versos de exageros coloridos. Exagero: símbolo sempre novo da vida
como sonho. Por ele vida e sonho se irmanaram. E, consciente, não é defeito,
mas meio legítimo de expressão. Minhas reivindicações? Liberdade. Uso dela; não
abuso. Sei embricá-la nas minhas verdades filosóficas e religiosas, não
convencionais como a Arte, são verdades. Tanto não abuso! Não pretendo obrigar
ninguém a seguir-me. Costumo andar sozinho.
Não se esqueça porém que outro
virá destruir tudo isto que construí. Pronomes? Escrevo brasileiro. Si uso
ortografia portuguesa é porque, não alterando o resultado, dá-me uma
ortografia.
Escrever arte moderna não significa jamais para mim representar a
vida atual no que tem de exterior: automóveis, cinema, asfalto. Si estas palavras freqüentam-me o livro não é
porque penso com elas escrever moderno, mas porque sendo meu livro moderno,
elas têm nele sua razão de ser.
Mas todo este prefácio, com todo a
disparate das teorias que contém, não vale coisíssima nenhuma. Quando escrevi
"Paulicéia Desvairada" não pensei em nada disto. Garanto porém que
chorei, que cantei, que ri, que berrei... Eu vivo!
Aliás versos não se
escrevem para leitura de olhos mudos. Versos cantam-se, urram-se, choram-se
Quem não souber cantar não leia Paisagem nº 1. Quem não souber urrar não leia
Ode ao Burguês. Quem não souber rezar, não leia Religião. Desprezar: A
Escalada. Sofre: Colloque Sentimental. Perdoar: a cantiga do berço, um dos
solos de Minha Loucura, das Enfibraturas do Ipiranga. Não continuo. Repugna-me
dar a chave de meu livro. Quem for como eu tem essa chave.
E está acabada a
escola poética "Desvairismo".
Próximo livro fundarei outra.
E não quero discípulos. Em arte: escola=imbecilidade de muitos para vaidade
dum só.
Poderia ter citado Gorch Fock. Evitava o Prefácio Interessantíssimo.
"Toda canção de liberdade vem do cárcere"."
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