domingo, 13 de maio de 2012

tenho pensado sobre isso aqui.

'(...) No caso da composição individual em questão, o meu desejo mais potente era experimentar o texto aliado aos materiais corporais, porém se afastando do já muito conhecido caráter ‘sublime’ do movimento. Incomoda-me muito quando vejo um texto correndo atrás de um movimento. Como estreitar a relação entre partitura corporal e texto falado ? Como possibilitar que o movimento surja como manifestação natural das palavras decoradas ? E mais, como dizer tais palavras tendo o corpo todo como enunciador de um discurso e não apenas a boca ? Foi tentando responder estas perguntas que dei início ao processo de criação da minha composição. (...) Foi desta forma que fui alcançando meu objetivo de criar uma composição onde o movimento viesse como razão de um discurso falado. Minha vontade era tirar o movimento do pedestal, do primeiro plano, do foco e torná-lo um suporte, um complemento, uma (bela !) consequência. Queria que o espectador, imerso na teatralidade do exercício, pudesse perceber a presença do movimento de maneira menos expositiva. Creio ter conseguido alcançar o desejado lugar do entre onde qualidade textual e qualidade corporal se misturam numa relação simbiótica. Cabe dizer que vejo muita potência em apresentar, durante o espetáculo, o movimento com caráter sublime. Entretanto, vejo mais potência ainda se, depois de virtuosamente apresentado, pudermos reapresentá-lo de uma maneira mais banal, talvez suja, humanizada. Como humanizar o sublime ? Nós somos atores e estamos alargando nossas potências corporais. Daí a beleza de nos desafiarmos, ora ou outra, a atingir o sublime (sem dúvida uma dificuldade para todos nós). Porém não podemos nos esquecer que somos atores ! Com tantos meses de processo, já atingimos níveis jamais imaginados para nossos corpos, acho que agora podemos começar a refazer o caminho que levou cada um dos criadores a se matricular no curso de artes cênicas e não no de dança. Digo isto porque acho que além de belos corpos (já belos !) executando perfeitamente belos movimentos (já belos !) temos que notar também a presença de ótimos atores (que somos !). Fazendo a minha composição, me pareceu que é justamente tirando um pouco o caráter sublime dos movimentos que, nós atores, conseguimos descobrir outros lugares possíveis para a expressividade corporal e, mais, atingir uma teatralidade que (como ator !) julgo necessária. Neste sentido, realmente fico satisfeito com a minha composição pois investiguei se o mesmo material apresentado antes como movimento perfeitamente executado pode, logo depois, se apresentar (ainda se afirmando como movimento) de maneira menos formalizada e mais humanizada. Identifico dois momentos caros à nossa futura encenação. Primeiro, há apreciação do corpo quando se apresenta belamente um movimento e o espectador se vê diante da beleza daquela expressividade corporal. Depois, o espectador vê beleza ao notar que é possível atrelar outras camadas de inteligibilidade ao movimento já reconhecido, quando o mesmo material é apresentado com outras qualidades e a partir de outros pontos-de-vista. Qual é o meu ponto-de-vista em relação ao movimento partiturado ? O que eu faço dele uma vez que eu não sou obrigado a reproduzir em série ? De que forma eu reforço a minha identidade nos movimentos coletivos ? A composição é o espaço livre para tentar responder estas perguntas e é competência do ator encontrar a singularidade do próprio fazer corporal dentro do já matematizado e coreografado. É isso: me vi refém da idéia de fazer com que o movimento chegasse ao espectador de uma maneira menos explícita. O movimento e os materiais continuam presentes no trabalho, porém diluídos no estado de teatralidade sugerido pela minha composição. Neste momento, me vejo pensando o que seria teatralidade (teatralidade, não 'teatrinho'). Talvez o ator que sou me faça intuir que nesta palavra esteja o caminho próspero para nos afastarmos do hermético. Quanto mais ensaio Cavalos, mais sinto falta de uma teatralidade que comporte aqueles belos corpos e aqueles belos movimentos. Creio que encontrar esta teatralidade num espetáculo que poderia se resumir em ser apenas um espetáculo de dança, seja o maior objetivo de todos os criadores. A teatralidade muitas vezes escamoteia o movimento e tira dele o caráter de excepcional. Gosto disso ! Este caminho a ser descoberto de como realizar um movimento destituindo-o da mera expressividade em primeiro (e único!) plano, me parece ser mais da competência do ator que da do dançarino. Quando a gente dá um texto preocupado em alcançar o sublime de um material, a gente não alcança o espaço simbiótico que conjuga textovimento ou movimentexto. Acho que é este lugar do entre que falta um pouco. E isso está relacionado à teatralidade do ator que somos e não ao bailarino que, quem sabe um dia, poderemos vir a ser.'

Um comentário:

  1. povo bonito,

    quis dividir estes meus pensamentos com vcs pois acredito que possam ser questões comuns a todos nós. Tive certeza da necessidade em expor isto aqui no blog depois da última terça, quando a Lilla esboçou esta discussão mas que não tivemos tempo de aprofundar. Sei lá, o que está abaixo é uma visão totalmente pessoal, faz parte da minha pesquisa. Porém queria dividir pois, de todo o processo, estas questões (ator x bailarino, teatro x dança, movimento x texto), me afetam especialmente !

    beijos.

    p.s.: não sei pq não conseigo botar o espaço dos parágrafos na postagem.

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