segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Se puderem, perguntem ao pó:


Uma contribuição para Cacá e Gunnar. Ao meu ver, bons caminhos para o desdobramento da relação já iniciada no diálogo de "Uma linda mulher". Possíveis brechas, possíveis encontros e desencontros. Gosto, especialmente, dos diálogos curtos e do fluxo de pensamento da personagem masculina. Gosto, também e ainda mais, da forma como a personagem se coloca em relação ao corpo da Camilla e a maneira sexual e instigante de como a descreve.


AQUI:

Uma noite, atendi a uma batida na porta e lá estava ela.

- Camilla!

Entrou e sentou-se na cama, com algo debaixo do braço, um maço de papéis. Olhou para o meu quarto: então era aqui que eu vivia. Ela se perguntara sobre o local onde eu morava. Levantou-se e caminhou, olhando pela janela, dando voltas no quarto, bela garota, Camilla, cabelos escuros cálidos, e eu fiquei de pé e a observei. Mas por que viera? Sentiu minha pergunta, sentou-se na cama e sorriu para mim.

- Arturo - falou. - Por que brigamos o tempo todo?

Eu não sabia. Falei algo sobre temperamentos, mas ela sacudiu a cabeça e cruzou os joelhos, e uma sensação de suas belas coxas sendo alçadas ficou marcada na minha mente, uma sensação densa e sufocante, desejo  quente e luxuriante de tomá-las em minhas mãos. Cada movimento que ela fazia, o suave giro do pescoço, os grandes seios inflando-se debaixo do guarda-pó, as belas mãos sobre a cama, os dedos estendidos. Estas coisas me perturbavam, um peso doce e dolorido me arrastando para um estupor. Então o som de sua voz, contido, sugerindo zombaria, uma voz que falava ao meu sangue e aos meus ossos. Lembrei-me da paz daquelas últimas semanas, parecera tão irreal, fora um hipnotismo que eu mesmo criara, porque isto era estar vivo, estar olhando para os olhos negros de Camilla, confrontando seu desdém com esperança e uma lascívia descarada.

(...)

- Como vão todos os seus outros namorados? - falei. 

Disse aquilo sem pensar. Me arrependi na hora. Amaciei com um sorriso. Os cantos de sua boca reagiram, mas com um esforço.

- Não tenho namorados - disse.

- Claro - falei, com uma leve pincelada de sarcasmo. Claro, eu entendo. Perdoe-me um comentário irrefletido.
Ficou silenciosa por um tempo. Fingi que estava assobiando. Então ela falou:

- Por que é tão mesquinho?

- Mesquinho? - falei. - Minha querida garota, sou tão amigo de homem quanto de besta. Não há uma gota de inimizade no meu mundo. Afinal, você não pode ser mesquinho e um grande escritor. Seus olhos caçoaram de mim.

- Você é um grande escritor?

- É uma coisa que você jamais vai saber.

(...)

- Olá - disse.

- Olá, estúpida - respondi.

- Trabalhando?

- O que acha? - falei.

- Zangado? - disse.

- Não, apenas desgostoso.

- Comigo?

- Naturalmente - eu disse.

(...)

- Com medo? - disse ela.

- De você? - eu ri.

- Está com medo - disse ela.

- Não, não estou.

Abriu os braços e toda ela parecia aberta para mim, mas aquilo só
me fez fechar-me ainda mais, levando comigo a imagem dela naquela
ocasião, como estava viçosa e macia.

- Veja - falei. - Estou ocupado. 

- Está com medo também.

- Do quê?

- De mim.

- Imagine...

Silêncio.

- Há algo errado com você - ela disse.

- O quê?

- Você é veado.

Levantei-me e fiquei de pé ao lado dela.

- É mentira - disse.


* Fragmentos de "Pergunte ao pó" de John Fante. Ed. José Olympio, 2011, 10 edição.
* Uma contribuição de Otávio Borba.

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