quarta-feira, 4 de abril de 2012

Trechos de "A Dominação Masculina", de Pierre Bourdieu

"A força particular da sociodicéia masculina lhe vem do fato de ela acumular e condensar duas operações: ela legitima uma dominação inscrevendo-a em uma natureza biológica que é, por sua vez, ela própria uma construção social naturalizada."

"Como explicar que a visão androcêntrica de um mundo em que as disposições ultra-masculinas encontram condições das mais favoráveis à sua realização nas estruturas da atividade agrária -- ordenada segundo a oposição entre o tempo de trabalho, masculino, e o tempo de produção, feminino -- e também na lógica de uma economia de bens simbólicos plenamente realizada tenha podido sobreviver, sem atenuações nem concessões, às profundas mutações que afetaram as atividades produtivas e a divisão do trabalho (...)? E como registrar esta aparente perenidade, que contribui igualmente, e muito, para conferir a uma construção histórica feições de uma essência natural, sem nos expormos a retificá-la inscrevendo-a na eternidade de uma natureza?"

"Assim, uma apreensão verdadeiramente relacional da relação de dominação entre os homens e as mulheres, tal como ela se estabelece em todos os espaços e subespaços sociais, (...) leva a deixar em pedaços e imagem fantasiosa de um 'eterno feminino', para fazer ver melhor a permanência da estrutura da relação de dominação entre os homens e as mulheres, que se mantém acima das diferenças substanciais de condição, ligadas aos momentos históricos e às posições no espaço social. (...) Isso obriga, enfim, e principalmente, a perceber a vaidade dos apelos ostentatórios dos filósofos 'pós-modernos' no sentido de 'ultrapassar os dualismos': estes, profundamente enraizados nas coisas (as estruturas) e nos corpos, não nasceram de um simples feito de nominação verbal e não podem ser abolidos com um ato de magia performática -- os gêneros (...) estão inscritos nos corpos e em todo um universo do qual extraem sua força. É a ordem dos gêneros que fundamenta a eficácia performativa das palavras."

"O 'amor puro', esta arte pela arte do amor, é uma invenção histórica relativamente recente, como a arte pela arte, o amor puro da arte, com o qual ele tem relação, histórica e estruturalmente. (...) Conseguindo sair da instabilidade e da insegurança características da dialética da honra que, embora baseada em uma postulação de igualdade, está sempre exposta ao impulso do dominador da escalada, o sujeito amoroso só pode obter o reconhecimento de um outro sujeito, mas que abdique, como ele o fez, da intenção de dominar. Ele entrega livremente sua liberdade a um dono que lhe entrega igualmente a sua, coincidindo com ele em um ato de livre alienação indefinidamente afirmado (através da repetição, sem redundâncias, de 'eu te amo')."

"Reconhecimento mútuo, troca de justificações de existência e de razões de ser, testemunhos recíprocos de confiança, signos, todos da total reciprocidade que confere ao vínculo em que se encerra a díade amorosa (...) o poder de rivalizar vitoriosamente como todas as consagrações que ordinariamente se pedem às instituições e ritos da sociedade."

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