quarta-feira, 7 de março de 2012

Eu parei para pensar nisso aqui.

A ideia de usar a "dancinha" do Rafa como prólogo do espetáculo me atravessou hoje no percurso de casa para o ensaio. Experimentar a ideia foi bastante interessante... Eu diria fascinante. Escrevo para tentar compreender melhor o que ela inaugura e também para dividir com vocês os meus pensamentos. A "dancinha" enquanto abertura se manifesta como algo que eu poderia classificar como nível zero. Ou seja, ela abre espaço para que qualquer tipo de informação ou material sejam apresentados depois.  Ela é o drama neutro que abre as portas para novos e interligados dramas sujos. Ela namora, critica, brinca com o corpo e com o espaço na suavidade de um deboche que é físico. Ela esboça, com crueldade e um ótimo uso do corpo e do tempo, as qualidades: duração, repetição, esforço, precisão e refinamento. Ela, ao mesmo tempo que recebe, também distancia o espectador da obra, faz com que ele se interrogue sobre o que virá depois. Faz com que ele se pergunte, assim como eu venho me perguntando: sobre o que e sobre quem este espetáculo fala? Então, leio a "dancinha" como um lugar poético para a fuga cotidiana, para o desbravamento do corpo em seu limite e suor, para a fuga das relações cansadas e da estranheza que é ser um ser casal; como uma espécie de espelho social, uma viagem do micro ao macro, o caminho das pedras a ser percorrido por todos os corpos que, logo em seguida, serão apresentados. Leio como quem lê um romance longo, faz uma viagem para Lisboa ou toma um bom café da manhã. Como quando preparamos o espectador para despertar, para acordar o corpo, abrir os olhos e atentar a escuta para os mínimos detalhes. Os olhos que se movem, a boca que esboça palavras ou números, as mãos que dedilham, os cotovelos que brincam  no ar de ir e voltar. Gosto da "dancinha" em razão de sua pureza urbana e nada bucólica. Por ora penso em treino de dança, bailarinos em movimento que tentam atingir a perfeição na execução de um gesto banal. Como é difícil presentar o cotidiano, a ação básica de mover-se no dia a dia. Depois penso no corpo-máquina, no homem-bomba, no cansaço dos operários na repetição diária do trabalho mal pago. Aí penso nas relações de poder, na flexibilização delas, nas lacunas que deixam abertas e que precisamos ocupar. Penso ainda nas verdadeiras empresas que são os relacionamentos afetivos, na manutenção do bem-amado, do bem-querer. É bom o bem-casado? Você trouxe o que eu te pedi - ele pergunta e ela dança. Rio alto. Na verdade, tenho medo de rir. Tem graça ver alguém cansado? Me questiono. Questiono a obra e seu lugar. Depois dela, da "dancinha" alguém entra e, de costas, canta uma música. Essa música então ressignifica tudo. Ou melhor, ela tenta. Tenta por ordem no recinto, trazer sentido e razão para todo aquele alvoroço contido que, inicialmente, foi apresentado. A música embala o Rafa que, inconscientemente, micro-muda a qualidade de seus movimentos. Agora eu não sei mais quem dança... É ele quem comanda a música ou por ela é comandado? Quem ali, no auge daquela dor, canta para quem? Quem teria coragem de denunciar: FOCO, SUPORTE. Não sei. Este não-saber me alegra, prossigo vivo, questionando o espaço, tudo e todos. Todos entram. Aí, acabou chorare, mas não ficou tudo lindo. É pior, é grave. São mais pessoas, mais gente, mais povo, mais corpos e mais cabeças. Tudo Dói, Caetano batizou uma canção com este nome e, em seguida, lhe deu de presente para a Gal.

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